Chegam em São Paulo
Em maio de 1898, acompanhados de Salim Chaded, chegavam ao Brasil os jovens Miguel Tarcha, Daer Chadad e José Kairalla. De Santos, foram imediatamente para São Paulo, onde ficaram na casa comercial Salim Chaded & Irmão. Aí, José encontrou seu primo Feres Kairalla. Ficaram apenas dois dias em São Paulo, empreendendo logo a viagem para Dois Córregos. A meio caminho fizeram uma parada em Santa Bárbara, onde compraram uma melancia por 500 réis que, de tão grande, deu para comer o dia inteiro.
Ao chegarem a Dois Córregos, estava na estação à espera deles o irmão Dib. E muito conversaram, trocando notícias sem fim.
Logo trataram de se integrar na vida brasileira. Dois dias depois da chegada, foram ao circo que estava armado na cidade. O Juiz de Direito da cidade, convidou o Sr. João (Dib), para levar o seu irmão até eles. Youssef, agora chamado José, chegou logo dizendo uma frase de cortesia, há pouco aprendida: “Boa Tarde”. Todos riram, pois eram 9 horas da noite. Tendo o irmão como intermediário, conversaram alegremente durante muito tempo.
Em Dois Córregos, Chequer era sócio de Gataz Cury. Tinham em comum, um cavalo bastante arisco. Gataz, certa feita, pediu a José para o ajudar a cercar o animal. E mal o prendeu no cabresto, colocou o rapaz no cavalo em pelo, que saiu na disparada, galopando furiosamente, e atravessou a porteira. Se neste momento, por sorte não tivesse José abaixado a cabeça, por certo teria perdido a vida. Nesse ínterim, seu irmão João e seu primo Said Kairalla perceberam o perigo. Saíram correndo com varas compridas para cercar o cavalo, que neste momento se preparava para saltar outra cerca do vizinho, um perigo ainda maior que corria o rapaz.
Dominado o animal e mesmo tendo José escapado ileso, não foi o bastante para acalmar Dib. Ele chegou mesmo a ameaçar Gataz, mostrando que havia sido muito imprevidente. E disse: “Trouxe meu irmão há pouco, mas não foi para enterrar”.
Outro incidente na chegada Dois Córregos que ficou gravado para o jovem José Kairalla, foi a comemoração que então se fazia ao reconhecimento da eleição do Presidente da República, Campos Sales (3 de maio de 1898). Esse evento marcou o início do interesse que ele continuadamente voltaria aos problemas políticos e econômicos do Brasil.
O trabalho de mascate
Inicialmente mascateou com Elias Abunasser. No fim do ano o irmão Dib comprou uma mula e tirou licença para que José mascateasse independentemente, tendo então Assad Cury como empregado.
— As dificuldades estiveram presentes. Logo no primeiro dia de trabalho, estávamos muito longe de casa quando chegou a noite. Procuramos mas não encontramos pouso. Eu e Assad estavámos com sono e fome. Não encontramos outra solução, senão dormir ao pé de uma porteira. Era tanta a fome de Assad, que chegou a comer milho destinado ao burro, para ver se acalmava o estômago.
“São dificuldades do início. Na manhã seguinte, quando acordamos vimos que estávamos no terreno de uma fazenda. Havíamos dormido no pasto”.
Perigos
Ainda nas andanças dos primeiros dias, encontraram um tal José Dias, que se interessou pelas mercadorias e os convidou para aparecer em sua casa. Ficaram de ir e quando cumpriram o programa do dia, puseram-se à procura da casa. Mas não encontraram. Naqueles tempos, ainda não havia estradas na região e apenas começavam a cercar as propriedades, dificultando as buscas.
— Felizmente não encontramos a morada de José Dias. Digo, felizmente, pois num sítio de italianos, ficamos sabendo que aquele homem atraía os mascates até sua propriedade e os matava para roubar. “Vocês nasceram hoje novamente”, disse o italiano.
A morte de Cheiquer
Com o falecimento do irmão Cheiquer, José passou a ocupar seu lugar nos negócios. Gataz Cury, que inicialmente havia sido sócio de Cheiquer, não ficou muito mais tempo em Dois Córregos. José então arrumou um empregado e continuou mascateando na região. Seber Gataz era o ajudante, mas não muito atento. Muitas vezes, arriava o cavalo, com o rabicho na frente!
Moravam então na Fazendinha, perto de Brotas, e o suprimento de mercadorias era feito em Torrinha. Eram hóspedes de D. Maria, uma senhora muito solícita e boa, que foi uma verdadeira mãe. “Mulher muito humana” – é com essas palavras que José Kairalla lembra agora, em 1960, daqueles tempos idos há mais de meio século. Viajavam longamente pela redondeza e voltavam para casa nos fins de semana.
Um dia, numa compra compra com Hatem Asem, tio de José Tomaz Buchala, ao examinar a fatura, José Kairalla encontrou o erro 60 mil réis, a menos, na conta de Asem. Imediatamente comentou o erro. Asem ficou muito agradecido e disse: “De hoje em diante, não terei mais trabalho com você. Você vai ao depósito e tira a mercadoria que quiser. Depois, só me apresenta a fatura. Você é o único José Kairalla”.
Nas andanças, muitas vezes atravessando Campo Grande, de regresso a Torrinha, eram surpreendidos por chuvas muito fortes. Abrigavam-se, então, sob a carga dos cavalos. Outras vezes eram assaltados por carrapatos. E precisavam queimar palha de milho e esfregar na perna para se livrar dos insetos.
Rememorando aqueles tempos da Fazendinha, JoséKairalla conta:
— Durante a vida existem muitos acontecimentos que servem como lições morais. O homem compreende melhor o homem e não se sente sozinho. Uma noite, na Fazendinha, jogando baralho, ganhei 10 mil réis. O negro que perdeu, quis o dinheiro de volta. Chamaram o administrador e mandaram o homem embora. Mais tarde, fui fazer suprimento em Torrinha e não voltei no dia marcado, por causa de uns imprevistos. E quando regressei, encontrei D. Maria chorando, pensando que o negro me havia agredido. Ao me ver, ela ficou muito contente e me beijou.
Dinheiro perdido
Em 1900, Simão veio juntar-se ao seu irmão José. Trabalhavam na Fazendinha, propriedade do Dr. José Stanislau de Arruda Botelho, filho do Conde de Pinhal. Lá, os irmãos tinham 6 contos para receber. Essa era toda fortuna deles. Mas a situação dos proprietários não era boa. Hipotecaram a fazenda. A dívida dos colonos, ao vencer a hipoteca, passou para a fazenda. Mas o banco não quis pagar o que era devido. Esse percalço, contudo, não tirou o ânimo de José e Simão. Continuaram trabalhando.
Mascatearam até 1905, quando se estabeleceram em Brotas. Fundaram a firma José Kairalla & Irmão, com o Capital de 5 contos.
Os primeiros tempos em Brotas
— Uma vez estabelecidos em Brotas, contratamos o Sr. Antonio Joaquim Theodoro Andrade, para ser nosso Guarda-Livros, com vencimentos mensais de 25 mil réis. Éramos os fornecedores para os colonos da Fazendinha, do Dr. José Stanislau de Arruda Botelho. Os colonos vinham para a cidade, faziam suas compras em nosso armazém e nós mandávamos entregar a mercadoria comprada com carroças de aluguel. Nessas condições tínhamos nas mãos dos colonos mais ou menos 12 contos de réis em fornecimentos. Por essa ocasião, o Sr. João Pinto, que além de ser Delegado de Polícia de Brotas, era também comerciante na mesma cidade, resolveu abrir uma filial de seu armazém na estrada, bem perto da Fazendinha, para a qual fornecíamos”.
“Com sua autoridade policial, conseguiu do administrador da Fazenda, o Sr. Domingos da Rocha, que proibisse a entrada das carroças com mercadorias vendidas por nós. Essa medida criou uma séria e difícil situação para nosso comércio. Depois de estudar a situação com o meu irmão Simão, tomamos uma decisão. Nós conhecíamos em Campo Alegre, um velho amigo Dib Janna, que tinha muita amizade com o Dr. Antonio de Barros, que morava em sua Fazenda em Campo Alegre, e era também o Gerente da Fazenda do Dr. José Stanislau de Arruda Botelho. Simão e o amigo Dib Janna lá foram explicar toda situação existente em Brotas. O Dr. Antonio de Barros, considerando a exposição feita e não admitindo atos ditatoriais em propriedades por ele geridas, escreveu uma carta ao administrador, o Sr. Domingos da Rocha, demitindo-o do cargo. Ajustado novo administrador para a Fazenda, Simão fez uma visita e foi muito bem recebido. Lá teve oportunidade de saber que ele se chamava Tertuliano Soares Leitão. Era homem honesto, direito, e o convidou para lá pernoitar, tratando muito bem”.
“Voltando para a cidade no dia seguinte, Simão contou ao guarda livro, Antônio Andrade, como tinha sido tratado e, mais ainda, que o administrador tinha duas filhas bem bonitas, que valia a pena a gente ver. António Andrade, solteiro que era, não perdeu a oportunidade que apareceu e um dia lá foi com o Simão para ver as moças. De fato ficou arrastando as asas por uma delas, iniciando assim um namoro. Mais tarde, Simão foi, em nome de Antonio Andrade, pedir consentimento do pai para namorar e depois se casaram. O administrador respondeu que um rapaz que ganha só 25 mil réis por mês, não poderia pensar em se casar, principalmente com sua filha. Isso acontecia por volta de 1909, quando resolvemos mudar para Monte Alto.
Monte Alto
“Antonio Andrade, com desejo de melhorar sua situação, para poder aspirar a mão da amada, se prontificou a seguir seus patrões para Monte Alto, ganhando então 50 mil réis por mês, o dobro do que vinha ganhando, e mais 10% do lucro do negócio em Monte Alto. Por ocasião da mudança, foi Antonio Andrade que carregou meu filho Michel nos braços até Monte Alto. Michel não tinha ainda 1 ano de idade.”
“António Andrade, por dois anos residiu com minha família, como se dela fosse um membro, recebendo assim seu ordenado livre. Depois desses dois anos, com as economias amealhadas, foi a Brotas para se casar com aquela que amava, voltando a residir em Monte Alto, numa casa alugada, tendo seu primeiro filho ainda em Monte Alto. Logo depois fez uma sociedade com um sírio de Barretos e para lá se mudou, satisfeito. E nós também ficamos contentes por vê-lo independente na vida econômica. António Andrade teve outros filhos, entre eles o Sr. Auro de Moura Andrade, atual presidente do Senado Brasileiro (1963).”
António Andrade sempre reconheceu a amizade e carinho que recebeu da família Kairalla, e aos seus filhos sempre lembrava fatos do tempo que viveu com ela. António Andrade certa vez entrevistado para a revista “Ceilão” disse que o inicio de sua vida, passou junto de uma família síria (que é a Kairalla), demonstrando assim sua afeição por nós. Certa ocasião seu filho Auro de Moura Andrade, encontrando-se na residência da família Jaffet, com meu sobrinho Adib Kairalla, disse em alto e bom tom que seu pai tinha sido por muito tempo guarda-livros de José Kairalla, e que eu mantinha duas escritas, uma em português e outra em árabe”.
“Quando faleceu António Andrade – conta José Kairalla – fui até sua residência para lhe prestar as últimas homenagens e despedir-me de seu corpo. Lá fui recebido, e muito bem, pelo Senador Auro de Moura Andrade e por toda a sua família. Na saída beijei a mão de António, como última homenagem ao meu velho colaborador. Esse gesto muito comoveu a todos que o presenciaram”.
Um resumo
Eis aqui algumas datas mais importantes, que marcam o desenrolar da narrativa de José Kairalla:
- Em 1912 – torna-se eleitor
- Em 1916 – sócio fundador da Santa Casa de Monte Alto, com 5 contos, durante uma quermesse feita a favor da entidade.
- Em 1920 – sócio honorário e fundador da Sociedade Rural Brasileira. Comerciante matriculado na Junta Comercial do Estado de São Paulo.
- Em 1928 – perdeu 30 contos com a família Gebara e Irmão.
- Em 1930 – atua como jurado. Membro da Legião Revolucionária.
- Em 1935 – membro do Conselho Consultivo do Governo Armando Sales. É incumbido da Comissão que iria numerar as casas.
- Em 1936 – ajuda para o estabelecimento do Ginásio Municipal de Monte Alto.